Daniel e Seus Companheiros na Corte de Nabucodonosor (Dn1:3-16)
Os monarcas caldeus, e mesmo os de outros
povos, cercavam-se de elementos escolhidos para servirem na corte como intérpretes
e conselheiros. Estes eram especialmente treinados nas artes sortílegas, peritos em adivinhação. Eram os feiticeiros
reais, mas não tinham o sentido de menosprezo que o termo oferece em português.
Eram, pois, separados dos demais serviçais e instruídos devidamente para os
fins a que se destinavam. Ora, Daniel e seus companheiros despertaram logo a
atenção dos cortesões, que os acharam dignos de serem usados como eram os
outros adivinhos do palácio. Então disse o rei a Aspenaz
(v. 3). O sentido da palavra Aspenaz é
desconhecido, mas deve referir-se a um dignatário
real de categoria, especialmente encarregado de cuidar dos que estavam sendo
treinados para o ofício de adivinhação. Os escolhidos deveriam ser tanto de
linhagem real, como da nobraza. Jovens sem nenhum
defeito, de boa aparência, instruídos em toda sabedoria, doutos em ciência (ciência
oculta) e versados no conhecimento (v. 4). A ordem era que se lhes
ensinasse a cultura e a língua dos caldeus (v. 4). Assim, separados para
este fim especial, foram mudados os nomes dos rapazes de acordo com os princípios
religiosos da corte. A Daniel deram o nome de Beltessazar, nome de um deus babilônico, a Hananias puseram o de Sadraque,
a Misael o de Mesaque
e a Azarias o de Abednego, nome de
uma divindade. Assim, «batizados» com estes nomes caldeus, foi-lhes dada
igualmente, por ordem superior, a dieta que deveriam observar, para que, depois
do tempo determinado pelo rei (v. 18), fossem apresentados a este para
que visse como estavam de saúde e de aspecto. Daniel assentou no seu coração não
contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia;
então pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não contaminar-se (v.
8). A razão desta decisão é que as comidas e bebidas reais teriam sido
consagradas a qualquer divindade pagã, e, portanto, ele, como bom judeu, não
podia participar de comidas consagradas ou dedicadas a deuses pagãos. Esta atitude de Daniel e seus companheiros tem motivado
muitos sermões e discursos, e vale por um toque de silêncio contra o mundanismo
daqueles e dos nossos dias. Um grupo de moços, escravos, que assim tomam a
decisão de não participar de coisas consideradas impróprias a suas consciências
vale por uma lição, que nunca pode ser esquecida. O chefe dos eunucos disse a
Daniel: Tenho medo do meu senhor, o rei, que determinou a vossa comida e a
vossa bebida... Assim poríeis em perigo a minha cabeça para com o rei (v.
10). O caso era que, se os moços se alimentassem de
modo diferente, poderiam aparecer perante o rei, no tempo determinado,
mais magros e feios. Informa-nos o texto que Deus concedeu a Daniel
misericórdia e compreensão da parte do chefe dos eunucos (v. 9). A proposta
de Daniel para ser feita uma prova foi aceita. Em lugar de comerem das iguarias
reais, comeriam legumes e frutas, e beberiam água, em vez de vinho. Era o que
atualmente se chama de «regime vegetariano». O prazo seria de dez dias; depois
se veria como estavam os seus rostos (vv. 12 e 13). Não só o regime era saudável,
mas com eles estava o favor de Deus, que era a garantia. Ao fim dos dez dias
apareceram os rostos deles mais gordos e estavam mais robustos do que os que
comiam das iguarias do rei (v. 15). Era a prova da fé em Deus. Com essa prova o
cozinheiro-chefe tirou deles a ração oficial e deu-lhes a comer verduras, e, em
vez de vinho, água. Estes jovens estavam destinados a uma grande obra missionária
no país, e o triunfo de tudo estava nas mãos de Deus. Possivelmente eles
ignoravam o que os aguardava no futuro, mas uma coisa fizeram
-confiaram no seu Deus. Em qualquer circunstância da vida, a fé ainda
vale. A entrega da vida nas mãos do Senhor é sólida garantia de sucesso. Coloque-se quem quiser, nas condições dos jovens hebreus. Como
cativos, vivendo no palácio real, onde a vida dependia dos caprichos do rei,
tentar mudar uma ordem requeria muita fé e muita coragem.
Estes jovens receberam de Deus (v. 17)
conhecimento e inteligência em toda cultura e sabedoria, mas a Daniel deu o dom
da interpretação de sonhos e visões, que muito o iria ajudar na sua obra
futura. Daniel foi mesmo bafejado pela graça divina para a obra que todos nós
lhe reconhecemos. Os outros tiveram os seus dons, mas não iguais aos de Daniel.
O ambiente em Babilônia era o de feitiçaria, como o chamaríamos, em que as visões
e os sonhos ocupavam grande parte da vida, e isso dentro de pouco Daniel iria
experimentar.
O verso 21 nos informa que Daniel
continuou na sua obra até o primeiro ano de Ciro. Isso não quer dizer que não
fosse além deste período, mas, sim, que ficou no serviço de Babilônia por todo
o tempo que durou o reino, pois, nos dias de Ciro e até mais além, Daniel ainda
servia no palácio. A menção de Ciro deve-se ao fato de que foi no primeiro ano
deste novo rei que o exílio terminou, e foi dada permissão para que todos
voltassem à sua querida terra e cidade, Jerusalém (ver II Cr 36:22,
23 e Ed 1:1, 2). O exílio começou no ano 586 a.C, e terminou com a queda de
Babilônia, que caiu em poder de Ciro em 538 a.C. Damos como início do exílio o
reinado de Zedequias, justamente em 586 ou 585 a.C.
Computando estes algarismos, verificamos que os 70 anos do cativeiro preditos
por Jeremias não estavam completos com a subida de Ciro ao poder, conforme
Jeremias 29:10, e também que os cativos não voltaram
todos da primeira vez. Houve três idas de cativos e três voltas, tendo ocorrido
a última nos dias de Neemias,
quando era rei de Babilônia Artaxerxes I, o Longímano (464-424 a.C), então se completando os 70 anos. O
que foram o cativeiro e as suas bênçãos na vida da nação hebraica não pode ser
dito nestas páginas, mas, deixando de lado os sofrimentos e as
humilhações, podemos dizer que foi um período de grande progresso, porque,
incontestavelmente, Babilônia era um país desenvolvido para
aqueles dias. Especialmente, os hebreus aprenderam a amar a Palavra de
Deus, abandonando a idolatria e apegando-se ao seu grande Livro. Então, por
todo um longo período de 48 anos, desde Nabucodonosor até Ciro, Daniel foi a grande figura da história, e, como teremos ocasião de ver,
o grande administrador, o grande líder e a grande testemunha de Jeová. Não
sabemos por quantos anos teria ficado no reinado de Ciro. Ele já deveria estar
bem velho nessa época.
Vencido o tempo determinado (v. 18), que deveria ser de um ano, foram os jovens
levados à presença do rei, que os sabatinou, e entre todos não foram achados
outros como Daniel, Hananias, Misael
e Azarias; por isso passaram a assistir diante do rei (v. 19). A estes moços
Deus deu o conhecimento e a inteligência em toda cultura e sabedoria (v.
17). Devemos acrescentar, «sabedoria e cultura em todas as ciências babilônicas».
Deus honrou a fé destes rapazes e, assim como eles confiaram em Deus, ele
confiou neles.
Por esta informação somos levados a
reconhecer que Nabucodonozor não era apenas um
comandante de exércitos, mas um homem de cultura. Filho de rei, teria, naturalmente, sido educado para os misteres do
governo.
Sabe-se bem pouco da cultura babilônica
ou sumeriana, o primeiro povo organizado entre os rios Tigre e Eufrates, mas
sabe-se o bastante para aquilatar que era um povo de alta cultura para a sua época.
Ao redor de 2500 a.C, já eles tinham um calendário astronômico igual ao nosso,
com uma diferença apenas de dois minutos, calendário este usado também entre os
maias, astecas e toltecas do México, o que vem demonstrar que a grande cultura
do centro sul-americano era de origem babilônica. Conheciam os planetas que nós
conhecemos, menos o Plutão, descoberto há pouco, e
conheciam os eclipses e todas as fases da lua. O que se conhece como Torre de
Babel foi por eles engrandecida com sete andares, cada um com as cores de um
planeta, cores que eles atribuíam aos planetas. Na medicina, rivalizavam com os
egípcios, seus irmãos, peritos no embalsamamento dos mortos. Na cirurgia, eram
os mestres daqueles dias, e, mesmo que a medicina de modo geral estivesse
ligada à religião, ainda temos de ver que grandes progressos, para o tempo,
tinham sido alcançados pelos babilônios, sucessores dos sumérios. As artes eram
cultivadas em grande escala, e disso temos uma amostra de uma pirâmide mandada
construir pelo rei Zozer em 2800 a.C, para guardar os
mortos ilustres. Sobretudo, foram os primeiros a inventar a escrita conhecida
como cuneiforme, que consistia de tijolinhos, tabletes secos ao sol, em que,
antes de ficarem duros, eram gravadas as letras com um ponteiro de ferro. Esta
escrita é irmã da chinesa e japonesa, e de outras escritas orientais, o que
também nos mostra que sua cultura e povo se disseminaram por todo o Oriente
distante, tendo Babilônia como a matriz.
Tudo isto e muito mais, que esta página
dispensa, deve ser atribuído à cultura trazida por Noé do mundo afogado no dilúvio,
cultura que deveria, nos primeiros séculos, ser qualquer coisa de admirar, pois
de outro modo não sabemos como interpretar um tão alto grau de saber como o que
os sumérios e caldeus nos transmitiram. Noé e seus filhos, que viveram mais de
500 anos depois do dilúvio e que deveriam ser mestres em ciências e artes,
foram indiscutivelmente os artífices de todo este saber. Os que hoje admiram a
biblioteca de Assurbanípal, último rei assírio,
composta de uns 30.000 volumes, tudo gravado nos tijolinhos, podem calcular até
que ponto teria chegado o saber daqueles dias. Infelizmente, agora só à custa
da picareta do arqueólogo é que podemos ir tomando conhecimento de uma parcela
daquele saber, pois as gerações posteriores se degradaram, provavelmente devido
a muitas migrações, não sendo possível avaliar, na devida medida, o que teria
sido o saber daqueles primórdios. Os que tomam conhecimento
de livros como o de Pierre Ivanoff, Descobertas na
Terra dos Maias, e outros, e vêem o alto grau de cultura desses povos
antigos, que os espanhóis conseguiram destruir com a sua ignorância e à custa
da pólvora, verificam que os maias possuíam cultura, como já foi anotado, vinda
de Babilônia, e podem então melhor aquilatar o que teria sido a Babilônia dos
dias de Nabucodonosor.
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