segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Daniel e Seus Companheiros na Corte de Nabucodonosor (Dn1:3-16)

Os monarcas caldeus, e mesmo os de outros povos, cercavam-se de elementos escolhidos para servirem na corte como intérpretes e conselheiros. Estes eram especialmente treinados nas artes sortílegas, peritos em adivinhação. Eram os feiticeiros reais, mas não tinham o sentido de menosprezo que o termo oferece em português. Eram, pois, separados dos demais serviçais e instruídos devidamente para os fins a que se destinavam. Ora, Daniel e seus companheiros despertaram logo a atenção dos cortesões, que os acharam dignos de serem usados como eram os outros adivinhos do palácio. Então disse o rei a Aspenaz (v. 3). O sentido da palavra Aspenaz é desconhecido, mas deve referir-se a um dignatário real de categoria, especialmente encarregado de cuidar dos que estavam sendo treinados para o ofício de adivinhação. Os escolhidos deveriam ser tanto de linhagem real, como da nobraza. Jovens sem nenhum defeito, de boa aparência, instruídos em toda sabedoria, doutos em ciência (ciência oculta) e versados no conhecimento (v. 4). A ordem era que se lhes ensinasse a cultura e a língua dos caldeus (v. 4). Assim, separados para este fim especial, foram mudados os nomes dos rapazes de acordo com os princípios religiosos da corte. A Daniel deram o nome de Beltessazar, nome de um deus babilônico, a Hananias puseram o de Sadraque, a Misael o de Mesaque e a Azarias o de Abednego, nome de uma divindade. Assim, «batizados» com estes nomes caldeus, foi-lhes dada igualmente, por ordem superior, a dieta que deveriam observar, para que, depois do tempo determinado pelo rei (v. 18), fossem apresentados a este para que visse como estavam de saúde e de aspecto. Daniel assentou no seu coração não contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia; então pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não contaminar-se (v. 8). A razão desta decisão é que as comidas e bebidas reais teriam sido consagradas a qualquer divindade pagã, e, portanto, ele, como bom judeu, não podia participar de comidas consagradas ou dedicadas a deuses pagãos. Esta atitude de Daniel e seus companheiros tem motivado muitos sermões e discursos, e vale por um toque de silêncio contra o mundanismo daqueles e dos nossos dias. Um grupo de moços, escravos, que assim tomam a decisão de não participar de coisas consideradas impróprias a suas consciências vale por uma lição, que nunca pode ser esquecida. O chefe dos eunucos disse a Daniel: Tenho medo do meu senhor, o rei, que determinou a vossa comida e a vossa bebida... Assim poríeis em perigo a minha cabeça para com o rei (v. 10). O caso era que, se os moços se alimentassem de modo diferente, poderiam aparecer perante o rei, no tempo determinado, mais magros e feios. Informa-nos o texto que Deus concedeu a Daniel misericórdia e compreensão da parte do chefe dos eunucos (v. 9). A proposta de Daniel para ser feita uma prova foi aceita. Em lugar de comerem das iguarias reais, comeriam legumes e frutas, e beberiam água, em vez de vinho. Era o que atualmente se chama de «regime vegetariano». O prazo seria de dez dias; depois se veria como estavam os seus rostos (vv. 12 e 13). Não só o regime era saudável, mas com eles estava o favor de Deus, que era a garantia. Ao fim dos dez dias apareceram os rostos deles mais gordos e estavam mais robustos do que os que comiam das iguarias do rei (v. 15). Era a prova da fé em Deus. Com essa prova o cozinheiro-chefe tirou deles a ração oficial e deu-lhes a comer verduras, e, em vez de vinho, água. Estes jovens estavam destinados a uma grande obra missionária no país, e o triunfo de tudo estava nas mãos de Deus. Possivelmente eles ignoravam o que os aguardava no futuro, mas uma coisa fizeram -confiaram no seu Deus. Em qualquer circunstância da vida, a fé ainda vale. A entrega da vida nas mãos do Senhor é sólida garantia de sucesso. Coloque-se quem quiser, nas condições dos jovens hebreus. Como cativos, vivendo no palácio real, onde a vida dependia dos caprichos do rei, tentar mudar uma ordem requeria muita fé e muita coragem.

Estes jovens receberam de Deus (v. 17) conhecimento e inteligência em toda cultura e sabedoria, mas a Daniel deu o dom da interpretação de sonhos e visões, que muito o iria ajudar na sua obra futura. Daniel foi mesmo bafejado pela graça divina para a obra que todos nós lhe reconhecemos. Os outros tiveram os seus dons, mas não iguais aos de Daniel. O ambiente em Babilônia era o de feitiçaria, como o chamaríamos, em que as visões e os sonhos ocupavam grande parte da vida, e isso dentro de pouco Daniel iria experimentar.

O verso 21 nos informa que Daniel continuou na sua obra até o primeiro ano de Ciro. Isso não quer dizer que não fosse além deste período, mas, sim, que ficou no serviço de Babilônia por todo o tempo que durou o reino, pois, nos dias de Ciro e até mais além, Daniel ainda servia no palácio. A menção de Ciro deve-se ao fato de que foi no primeiro ano deste novo rei que o exílio terminou, e foi dada permissão para que todos voltassem à sua querida terra e cidade, Jerusalém (ver II Cr 36:22, 23 e Ed 1:1, 2). O exílio começou no ano 586 a.C, e terminou com a queda de Babilônia, que caiu em poder de Ciro em 538 a.C. Damos como início do exílio o reinado de Zedequias, justamente em 586 ou 585 a.C. Computando estes algaris­mos, verificamos que os 70 anos do cativeiro preditos por Jeremias não estavam completos com a subida de Ciro ao poder, conforme Jeremias 29:10, e também que os cativos não voltaram todos da primeira vez. Houve três idas de cativos e três voltas, tendo ocorrido a última nos dias de Neemias, quando era rei de Babilônia Artaxerxes I, o Longímano (464-424 a.C), então se completando os 70 anos. O que foram o cativeiro e as suas bênçãos na vida da nação hebraica não pode ser dito nestas páginas, mas, deixando de lado os sofrimentos e as humilhações, podemos dizer que foi um período de grande progresso, porque, incontestavelmente, Babilônia era um país desen­volvido para aqueles dias. Especialmente, os hebreus aprenderam a amar a Palavra de Deus, abandonando a idolatria e apegando-se ao seu grande Livro. Então, por todo um longo período de 48 anos, desde Nabucodonosor até Ciro, Daniel foi a grande figura da história, e, como teremos ocasião de ver, o grande administrador, o grande líder e a grande testemunha de Jeová. Não sabemos por quantos anos teria ficado no reinado de Ciro. Ele já deveria estar bem velho nessa época.

Vencido o tempo determinado (v. 18), que deveria ser de um ano, foram os jovens levados à presença do rei, que os sabatinou, e entre todos não foram achados outros como Daniel, Hananias, Misael e Azarias; por isso passaram a assistir diante do rei (v. 19). A estes moços Deus deu o conhecimento e a inteligência em toda cultura e sabedoria (v. 17). Devemos acrescentar, «sabedoria e cultura em todas as ciências babilônicas». Deus honrou a fé destes rapazes e, assim como eles confiaram em Deus, ele confiou neles.

Por esta informação somos levados a reconhecer que Nabucodono­zor não era apenas um comandante de exércitos, mas um homem de cultura. Filho de rei, teria, naturalmente, sido educado para os misteres do governo.

Sabe-se bem pouco da cultura babilônica ou sumeriana, o primeiro povo organizado entre os rios Tigre e Eufrates, mas sabe-se o bastante para aquilatar que era um povo de alta cultura para a sua época. Ao redor de 2500 a.C, já eles tinham um calendário astronô­mico igual ao nosso, com uma diferença apenas de dois minutos, calendário este usado também entre os maias, astecas e toltecas do México, o que vem demonstrar que a grande cultura do centro sul-americano era de origem babilônica. Conheciam os planetas que nós conhecemos, menos o Plutão, descoberto há pouco, e conheciam os eclipses e todas as fases da lua. O que se conhece como Torre de Babel foi por eles engrandecida com sete andares, cada um com as cores de um planeta, cores que eles atribuíam aos planetas. Na medicina, rivalizavam com os egípcios, seus irmãos, peritos no embalsamamento dos mortos. Na cirurgia, eram os mestres daqueles dias, e, mesmo que a medicina de modo geral estivesse ligada à religião, ainda temos de ver que grandes progressos, para o tempo, tinham sido alcançados pelos babilônios, sucessores dos sumérios. As artes eram cultivadas em grande escala, e disso temos uma amostra de uma pirâmide mandada construir pelo rei Zozer em 2800 a.C, para guardar os mortos ilustres. Sobretudo, foram os primeiros a inventar a escrita conhecida como cuneiforme, que consistia de tijolinhos, tabletes secos ao sol, em que, antes de ficarem duros, eram gravadas as letras com um ponteiro de ferro. Esta escrita é irmã da chinesa e japonesa, e de outras escritas orientais, o que também nos mostra que sua cultura e povo se disseminaram por todo o Oriente distante, tendo Babilônia como a matriz.

Tudo isto e muito mais, que esta página dispensa, deve ser atribuído à cultura trazida por Noé do mundo afogado no dilúvio, cultura que deveria, nos primeiros séculos, ser qualquer coisa de admirar, pois de outro modo não sabemos como interpretar um tão alto grau de saber como o que os sumérios e caldeus nos transmiti­ram. Noé e seus filhos, que viveram mais de 500 anos depois do dilúvio e que deveriam ser mestres em ciências e artes, foram indiscutivelmente os artífices de todo este saber. Os que hoje admiram a biblioteca de Assurbanípal, último rei assírio, composta de uns 30.000 volumes, tudo gravado nos tijolinhos, podem calcular até que ponto teria chegado o saber daqueles dias. Infelizmente, agora só à custa da picareta do arqueólogo é que podemos ir tomando conhecimento de uma parcela daquele saber, pois as gerações posteriores se degradaram, provavelmente devido a muitas migra­ções, não sendo possível avaliar, na devida medida, o que teria sido o saber daqueles primórdios. Os que tomam conhecimento de livros como o de Pierre Ivanoff, Descobertas na Terra dos Maias, e outros, e vêem o alto grau de cultura desses povos antigos, que os espanhóis conseguiram destruir com a sua ignorância e à custa da pólvora, verificam que os maias possuíam cultura, como já foi anotado, vinda de Babilônia, e podem então melhor aquilatar o que teria sido a Babilônia dos dias de Nabucodonosor.

Não nos deve causar, pois, admiração que os oficiais de gabinete dos reis fossem treinados em todo o saber caldaico, de que Nabucodonosor se orgulhava. Daniel e milhares de seus compatriotas não foram exilados para uma terra selvagem, ignara, mas para uma terra de alta cultura, que também lhes teria servido no que lhes interessas­se. Por um lado, os exilados ensinaram a religião monoteísta, e receberam em troca o bafejo da cultura vinda dos acádios e sumérios. O nosso Abraão era um homem altamente politizado e diplomata, um poliglota capaz de se entender com hiteus e outros ocupantes da Palestina.

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